Como o Marketing explora as crianças...
Depois de segmentar o mercado em sofisticadas categorias que identificam desde o estilo de vida das pessoas até os hábitos de consumo mais particulares, a bola da vez do marketing e, em conseqüência, da propaganda, é o público infantil – crianças até doze anos de idade. Um movimento claro está sendo feito nesse sentido e já se fazem pesquisas mais profundas e análises mais acuradas sobre o poder de compra das crianças e também sobre a sua influência na decisão de compra dos adultos.
Não que a importância da criança tenha sido relegada até hoje a segundo plano, pois é só ligar a TV na parte da manhã, que é o horário infantil, para se ver a quantidade de comerciais dirigidos exclusivamente a meninos e meninas. Mas a criança nunca tinha sido tão profissionalmente investigada e tão desejada como agora.
A Viacom, dona do canal infantil Nickelodeon, publicou um estudo do mercado infantil mostrando que mais de 40% das compras dos pais são influenciadas pelos filhos e 65% dos pais revelam que ouvem a opinião das crianças sobre os produtos comprados para toda a família, como o carro, por exemplo. Elas dão palpite sobre cores, som, tipo do carro, bancos e até o modelo das portas.
Os próprios produtos infantis expandem cada vez mais os seus mercados. Desde brinquedos tecnológicos aos próprios computadores, monstros eletrônicos, pijamas, artigos escolares, guloseimas, tudo anunciado diretamente para as crianças, com verbas que estão crescendo na proporção do mercado que elas vão ampliando.
Uma coleção de monstruosos bichinhos criados no Japão transformam-se numa coqueluche internacional chamada Pokémania. O primeiro filme com os monstrinhos, intitulado Pokémon: The First Movie, faturou em duas semanas 25 milhões de dólares nos cinemas. Mercadorias, licenciamentos, novos produtos, um universo de novos negócios surgiram na esteira de Pokémon.
As crianças são um alvo publicitário fácil de convencer. Na televisão e nas revistas infantis em quadrinhos elas vêem com a mesma atenção o que é programa ou matéria editorial e o que é anúncio. O mundo fantasioso da infância consome com a mesma intensidade um comercial e um desenho animado, o que vem provocando debates paralelos sobre o que é ou não validamente ético fazer para seduzir as crianças. Segundo dados da Revista do Consumidor, publicada pelo IDEC, as crianças ficam expostas, em média, anualmente, a 30 mil mensagens publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação, inclusive a televisão. O que dá mais de oitenta mensagens por dia.
A estimativa é de que os adultos recebem muito mais mensagens de propaganda a cada dia. Mas em contrapartida um homem adulto que habita um centro urbano recebe diariamente milhares de solicitações a sua atenção. Os anúncios sofrem a competição do noticiário, dos ruídos, da paisagem humana. É relativamente difícil para um anúncio captar e manter a atenção das pessoas no tempo suficiente para passar a mensagem publicitária. Os criativos sabem disso e por isso correm em busca da originalidade. Os anúncios de outdoor quando são eficientes são curtos, impactantes, porque não dispõem de tempo para fazer com que os passantes parem para ler um texto mais longo ou ver uma ilustração mais complicada.
As crianças, ao contrário, concentram-se no veículo que está a sua frente. O universo infantil é onírico e repleto de fantasias. A criança não é tão crítica quanto o adulto, que rejeita o que não lhe pareça apropriado.
Uma promotora pública de São Paulo chama isso de “barbárie publicitária que ataca diariamente nossas crianças” e estende sua crítica aos serviços de 0900 com ofertas de produtos dirigidos ao consumidor infantil cobrando o preço de R$5 por cada chamada. Critica também os serviços de tele-anjo, tele-tarot, tele-sexo, tele-amizade, que têm provocado consideráveis prejuízos aos bolsos dos pais.
As grandes marcas de produtos têm também interesse em manter-se admiradas por um público que lhe seja fiel no decorrer dos anos. Procuram estar ao lado das pessoas desde a primeira infância e pelo resto da vida. Isto é o que lhes dá valor e faz dessas marcas o principal ativo das grandes empresas, no mercado globalizado. Uma marca que cria laços profundos com o consumidor é uma marca a ser usada para sempre e este esforço para agregar o valor da preferência deve começar desde muito cedo na vida das pessoas. As empresas mais agressivas procuram completar suas linhas de produtos com artigos dirigidos ao mercado infantil, de modo a estarem desde o princípio presentes junto aos seus consumidores, acompanhando a sua trajetória existencial.
A presença das marcas vêm se acentuando também nas escolas, como parte do material didático e como referência inserida nas lições. O debate já está em curso. Nos EUA e na França os pais de alunos levantam a questão sobre se é ou não aceitável que seus filhos sejam expostos à propaganda comercial dentro das salas de aula. Com a carência de material escolar nas escolas públicas, as marcas passaram a propor aos educadores alguns suportes pedagógicos destinados a animar os trabalhos de classe.
No caso da França, Danone, Kellogs, Liebig, Mars, Microsoft e outras grandes marcas resolveram se associar na educação dos 12,5 milhões de crianças nas escolas, futuros consumidores que hoje já representam o equivalente a 100 milhões de dólares de poder de compra. E além disso os estudos de marketing asseguram que os hábitos de consumo, como quase todos os hábitos, são adquiridos na infância. Colgate ensina a higiene da boca, Kellog’s inicia os alunos ao equilíbrio alimentar, Danone explica a alimentação com prazer e os bancos introduzem o Euro, a nova moeda européia. O material que entregam às escolas são cassetes, vídeos, arquivos, cadernos, testes, jogos e CDs. A Microsoft presenteia as escolas com computadores e lança concursos cujos vencedores recebem seus prêmios das mãos do próprio Bill Gates.
A maior parte dos professores considera o material relevante e bem feito, além de servir por vários anos, passando de uma turma a outra. Os agentes de distribuição desse material dizem que as marcas que participam do programa têm mensagens de interesse público, como a nutrição, a saúde ou o meio-ambiente. E que não fazem promoção disfarçada. Assumem, ao contrário, uma atitude cidadã, oferecendo, além disso, os recursos que o Estado não pode pagar. A Federação das Associações de Pais de Alunos, por seu lado, condena a inciativa e diz em declaração à imprensa que o material fornecido é material de propaganda e não deveria ter espaço numa escola. Seria obrigação do Estado fornecer o material das escolas públicas.
A discussão prossegue. É a França, onde tudo se discute interminavelmente e em profundidade.
Celso Japiassu
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
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